quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Gata na lata de lixo



Hoje pela manha, como é de costume já que moramos tão longe dos familiares e amigos, acordei e liguei o meu computador.

Sempre vemos nossos emails para saber se temos notícias do pessoal e por vezes olho a página de notícias do UOL, só por cima mesmo. Raras vezes tem algo que presta e que não seja tragédia.

Bati o olho em uma chamada que dizia isto: “Mulher que jogou gata em lixeira diz que "foi só uma brincadeira".”

Fui ler a reportagem, até porque eu já havia visto algo assim sendo publicado pela organização RSPCA no Facebook ontem.

Para resumir, a britânica Mary Bale estava indo do trabalho para a casa e viu um gato caminhando por perto. Diz ela que o chamou, brincou com o gato, que ele era dócil, que ronronava e ela resolveu colocar ele numa lata de lixo que estava ali perto. E realmente o fez: colocou a gata de menos de um ano de idade dentro da lata de plástico.

A gata foi resgatada depois de 15 horas presa na lata.

O RSPCA com certeza fará alguma coisa para que ela seja julgada e condenada por este crime, o que acontece aqui na Inglaterra frequentemente.

Geralmente as punições não são grande coisa, mas a pessoa é proibida de ter animais durante alguns anos, paga certas taxas e presta serviços comunitários.

Estes dias eu li um caso do RSPCA em que eles foram chamados por causa de um cavalo que estava sendo mal tratado e vivia num jardim de uma casa aqui nas redondezas.

O cavalo foi resgatado, os donos foram julgados e condenados e o filho deles também foi condenado.

O interessante, mas não menos triste é que eles confessaram que tentaram matar um hamster afogado na pia, não obtiveram sucesso no afogamento e então, se não me engano eles colocaram ele dentro de uma garrafa com água.

Então, o RSPCA fez autópsia no pequeno animal e constatou que ele teve morte traumática, que lutou pela vida, pois tinha resquícios de material embaixo das unhas e por ai vai...

Você pode se perguntar ou me perguntar: Mas pra que tudo isto? Ou pra que tanta importância pra uma mulher que joga um gato dentro de uma lixeira? Tem tanta coisa pior por ai, não tem?

O que eu posso te responder é que eu acho o máximo ter autopsia de animal de estimação em casos suspeitos de maus tratos. Mas, mais que isto, eu fico feliz de verdade em ver que alguma coisa funciona.

O RSPCA se propõe a cuidar dos animais, a trabalhar com o governo e com a polícia para o bem estar animal atingir níveis cada vez mais altos e eles fazem isto!

Eles pedem ajuda da população pra descobrir quem quebrou os ovos dos cines que moram em tal lago ou, pior que isto, em quem ateou fogo no cachorro que estava preso numa grade pela coleira.

Esta organização se preocupa com estes temas e faz de tudo para cumprir com o que acha que é certo fazer.

Então, se você se preocupa com o quer que seja, siga este exemplo! =)

Sobre a mulher que jogou a gatinha no lixo, posso dizer que estas horas me espanto com a realidade, pois cada ser humano tem a liberdade para fazer o que quiser.

Se fizer algo que vá atingir de forma negativa o direito do outro, poderá ser punido, mas até aí a coisa já foi feita e já deixou cicatrizes.

O ser humano pode gerar outro ser humano que dependerá totalmente dele por alguns bons anos! E quem me garante que este ser humano pai ou mãe fará bem o seu papel?

O estranho é que muitos seres, incluindo nós mesmos, ou melhor, digo que quase todos os seres que vivem perto de nós humanos, dependem da nossa própria sanidade!

Um bebê recém nascido.

Um cachorro.

Um gato.

Um idoso que já não se movimenta bem.

Inúmeros são os casos nos quais outros seres dependem da nossa capacidade de se por no lugar deles.

Por-se no lugar de um gato que vai ficar preso dentro de uma lixeira e pode nunca ser achado, morrer asfixiado ou esmagado no caminhão do lixo, se não fosse uma câmera escondida.

Um passarinho que ficará a vida preso numa gaiola, que nunca poderá abrir bem as asas e voar.

De um idoso que vai levar umas porradas por irritar o enfermeiro já que ele não ouviu bem o que precisava ser feito.

Ou o bebe que vai ser jogado no rio por ter nascido numa hora que não deveria.

É duro pensar que dependemos tanto da compaixão alheia, já que somos cercados de outros seres que podem modificar a nossa vida numa simples vontade.

Eu nunca gostaria de ser posta numa lata de lixo.

Eu nunca gostaria de viver numa jaula, preferiria a morte a não ter liberdade.

Eu nunca gostaria que me batessem para descontar problemas pessoais ou o que for.

Eu não gostaria de não ter tido uma infância descente, regada a respeito e amor, sendo que nem pedi para nascer.

Muito menos ser largada neném para morrer aos poucos ou para ser encontrada por outra pessoa, da qual também dependerei da compaixão.

Sejá lá onde for, seja lá que ato for, seja lá quem fez....todo ato de maldade deve ser reprimido, nao incetivado e punidos os culpados.

Quem tem a pouca sanidade para colocar uma gata numa lata de lixo e lá deixá-la, também deve ter pouca sanidade para viver em hamornia numa sociedade.

Violencia contra animais, precede violência contra humanos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"Ser" humano


Ultimamente eu ando pensando sobre "ser“ humano.

O que significa SER um ser humano?

O ser humano é uma coisa complexa:

Somos muito inteligentes, criativos, bondosos…

Somos muito egoístas, maldosos, tapados…

Na faculdade, ou bem antes dela, eu aprendi que existe uma coisa na Natureza chamada Cadeia Alimentar, na qual uma espécie depende de outra para sobreviver, onde o fluxo do número de indivíduos de um nível influi no nível superior, que influenciará o próximo e por ai vai.

Um ciclo lindo de se ver. Cada ação gera um reflexo facilmente perceptível e uma má ação pode acabar com uma espécie.

A Natureza é sábia, tudo nela corre exatamente como deve correr e não sobra!

Não sei se posso colocar o ser humano neste meio mais, não do modo como vivemos e do jeito que evoluímos. Por que “ser” humano é viver praticamente num mundo criado por humanos, num ambiente “naturalmente” humano.

O ser humano pertence a este mundo, tem direitos sobre ele, como todos os outros animais, mas há muito já deixou sua vaga na cadeia alimentar.

Olhe pra fora de nossas cidades, que lugar há para nós além delas?

Mas, como que eu posso achar bela uma cadeia alimentar sendo que há mortes nela, sendo que mães antílopes perdem seus bebês brutalmente ou na qual búfalos pisoteiam bebês leões?

Esta é a Natureza “natural” e por mais que eu não goste disto, pois não desejo ver ninguém morrer pra virar comida ou por vingança, é isto que há neste mundo. A única forma de mudar isto, seria mudar de planeta ou voltar a nascer neste mundo milhões de anos pra frente – quem sabe as coisas estariam melhores para todos! =)

Ou ter uma séria conversa com Deus.

A vida lá na selva, na savana, na caatinga é o que é e não há nada que possamos fazer para mudar isto!

Há dois tipos de seres humanos basicamente.

Eu escolheria, se pudesse, o “bom” ser humano, aquele que é capaz de criar tecnologias incríveis, de fazer a Ciência existir e de habitar este mundo de forma a estar aqui, ser grato pela posição que tem, mas que deixa a Natureza para quem sabe viver nela.

Por outro lado, há aqueles que não sentem pelo outro e são tão seres humanos quanto eu - não importa de que berço vieram, eles são capazes de matar outros humanos, de corromper e serem corrompidos, de dar propina, se apoderam da natureza e do que há nela - sem um pingo de amor no coração, matam árvores e animais e abertamente dizem que não sentem por eles ou por nós.

Tudo isto, estes dois seres que existem por ai, somos nós: seres humanos. Capazes de fazer o céu e o inferno ao mesmo tempo.

O planeta já está sentenciado com a nossa presença aqui, pois vida de humano na Terra significa usar recursos, poluir e matar.

Não importa quão “verde” eu viva, meus passos deixam marcas na Natureza.

Mas importa a minha intenção.

Quanto mais nos aproximarmos da nossa capacidade nata de sermos bons seres, de sermos humanos...

.... mais usaremos toda a nossa capacidade de criar sem destruir.

.... de viver e não marcar.

.... de comer e não matar.

Vamos deixar a cadeia alimentar, equilibrada, frágil, linda e triste para aqueles que não podem sair dela!

Nós podemos e já saímos há tempos.

Se ser humano é ser digno de inteligências e capacidades, então que sejamos humanos.

Para aqueles humanos que não sentem pelos demais, que fazem atrocidades, estes pertencem a cadeia alimentar. Deveriam ser postos lá na natureza outra vez, com a roupa do corpo e uma lança na mão.

A natureza cuidaria deles...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Libertação Animal - Prefácio à edição de 1975

Trata-se apenas do prefácio do livro, mas já vale a pena lê-lo. Peter Singer explica de uma forma imbatível o que eu adoraria conseguir explicar.



Este livro fala da tirania dos animais humanos sobre os não-humanos. Esta tirania provocou e provoca ainda hoje dor e sofrimento só comparáveis àqueles resultantes de séculos de tirania dos humanos brancos sobre os humanos negros. A luta contra esta tirania é uma luta tão importante quanto qualquer outra das causas morais e sociais que foram defendidas em anos recentes.

A maior parte dos leitores considerará que aquilo que acabou de ler é um exagero completo. Há cinco anos, também eu teria feito graça das afirmações que agora escrevo seriamente. Há cinco anos, eu não sabia o que sei hoje. Se você ler este livro atentamente, prestando especial atenção aos capítulos 2 e 3, saberá tanto quanto eu acerca da opressão dos animais, e que é possível incluir num livro de tamanho razoável.

Depois, poderá julgar o parágrafo inicial: será exagero ou a constatação sóbria de uma situação praticamente desconhecida do grande público? Tudo o que peço é que suspenda o seu julgamento até ter lido o livro.

Pouco tempo após ter começado a trabalhar neste livro, a minha mulher e eu fomos convidados para tomar chá - vivíamos então na Inglaterra - por uma senhora que sabia que eu tencionava escrever sobre animais. Ela própria se interessava bastante sobre o tema, disse, e tinha uma amiga que já tinha escrito um livro sobre animais e gostaria muito de nos conhecer.

Quando chegamos, a amiga da nossa anfitriã já lá se encontrava e, realmente, mostrou muita vontade de falar sobre animais. "Adoro animais," começou ela. "Tenho um cão e dois gatos, e, sabem, dão-se todos extremamente bem. Conhecem a Sra. Scott? Ela dirige um hospital para animais de estimação doentes..." e por aí afora. Fez uma pausa enquanto se servia do chá, pegou um sanduíche de presunto, e perguntou-nos que animais de estimação tínhamos.

Dissemos-lhe que não tínhamos animais de estimação. Pareceu um pouco surpreendida,e mordiscou o sanduíche. A nossa anfitriã, que tinha acabado de servir os sanduíches, juntou-se a nós e retomou a conversa: "Mas é verdade que se interessa por animais, não é, Sr. Singer?"

Tentamos explicar que nos interessava evitar o sofrimento e os maus tratos; que nos opúnhamos à discriminação arbitrária; que considerávamos errado infligir sofrimento desnecessário a outro ser, mesmo não sendo esse ser membro da nossa espécie; e que acreditávamos que os animais eram explorados de forma impiedosa e cruel pelos humanos, e queríamos que tudo isto fosse alterado. Para além disto, os animais não nos "interessavam" especialmente. Nenhum de nós tinha gostado excessivamente de cães, gatos ou cavalos, ao contrário de algumas pessoas. Não "adorávamos" animais.

Queríamos simplesmente que eles fossem tratados como os seres independentes e sencientes que são, e não como um meio para os fins humanos - como tinha sido tratado o porco cuja carne estava agora nos sanduíches servidos pela nossa anfitriã.

Este livro não é sobre animais de estimação. Não é provável que constitua uma leitura confortável para aqueles que consideram que o amor pelos animais só se exprime fazendo uma festa ao gato ou dando comida aos pássaros do jardim. Destina-se, ao contrário, às pessoas que se preocupam com o fim da opressão e da exploração, onde quer que estas se encontrem, e pretendem que o princípio moral básico da igual consideração de interesses não se restrinja arbitrariamente à nossa própria espécie. A presunção de que é necessário ser "amante dos animais" para se interessar por estes assuntos constitui, em si mesma, uma indicação da ausência da menor idéia de que os padrões morais que aplicamos aos seres humanos deveriam abranger os outros animais.

Ninguém, exceto um racista que pretenda insultar os seus adversários chamando-lhes "amantes dos pretos", sugeriria que se tem que adorar as minorias raciais - ou considerá-las engraçadas e fofinhas - para mostrar preocupação pela forma como são maltratadas. Sendo assim, por que presumir isto relativamente às pessoas que trabalham para a melhoria das condições dos animais?

O retrato daqueles que protestam contra a crueldade para com os animais como "amantes dos animais", sentimentais e emotivos, teve como consequência a exclusão de toda essa questão do nosso tratamento dos não-humanos do debate político e moral sério. É fácil ver porque fazemos isto. Se considerarmos seriamente a questão, se, por exemplo, virmos de perto as condições em que os animais vivem nas explorações pecuárias modernas que produzem a carne que consumimos, podemos sentir-nos pouco à vontade em relação a sanduíches de presunto, à carne assada, à galinha frita e a todos os ingredientes da nossa dieta que preferimos não considerar como animais mortos.

Este livro não faz apelos sentimentais à simpatia por animais "fofinhos". Não me choca mais a morte de cavalos ou cães com fins alimentares do que a morte de porcos para o mesmo fim. Quando o Ministério da Defesa dos Estados Unidos descobriu que a utilização de beagles nos testes de gases letais provocara uma onda de protestos e resolveu usar ratos, não me considerei satisfeito. Este livro constitui uma tentativa de pensar atenta e coerentemente a questão de como devemos tratar os animais não-humanos. No processo do raciocínio, expõe os preconceitos que subjazem às nossas atitudes e comportamentos atuais. Nos capítulos que descrevem o que essas atitudes significam em termos práticos - como os animais sofrem devido à tirania dos seres humanos -, existem fatos que despertarão alguns sentimentos. Estes, espero, serão sentimentos de raiva e indignação, que surgirão juntamente com a vontade de fazer algo quanto às práticas descritas. No entanto, em lugar nenhum deste livro eu faço apelo a sentimentos do leitor que não se possam basear na razão. Havendo coisas desagradáveis, seria desonesto tentar descrevê-las de uma forma neutra que ocultasse a sua verdadeira "desagradabilidade".

Não é possível escrever objetivamente sobre as experiências conduzidas pelos "médicos" dos campos de concentração nazistas naquelas que eram consideradas criaturas "sub-humanas" sem despertar sentimentos; o mesmo se aplica à descrição de algumas das experiências levadas a cabo hoje em dia em seres não-humanos em laboratórios dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e de outros países. No entanto, a justificação essencial para a oposição a ambos os tipos de experiências não é emocional.

É um apelo a princípios morais básicos que todos aceitamos, e é a razão - e não o sentimento - que exige a aplicação destes princípios às vítimas de ambos os tipos de experiências.

O título deste livro tem implícita uma idéia séria. É necessário um movimento de libertação que dê fim aos preconceitos e à discriminação baseados em características arbitrárias como a raça ou o gênero. O exemplo clássico é o movimento de Libertação dos Negros. A imediata atratividade deste movimento e o seu sucesso inicial, embora limitado, tornou-o num modelo para os outros grupos oprimidos. Depressa nos familiarizamos com o movimento de Libertação dos Homossexuais e de movimentos em prol dos índios americanos ou dos americanos falantes de castelhano. Quando um grupo maioritário - as mulheres - iniciou a sua campanha, alguns pensaram que se tinha atingido o fim. A discriminação baseada no gênero, disse-se, era a última forma de discriminação a ser universalmente aceita e praticada aberta e assumidamente, mesmo naqueles círculos liberais que há muito se orgulhavam da sua ausência de preconceitos relativamente às minorias raciais.

Devemos sempre acautelar-nos ao falar da "última forma de discriminação subsistente". Se aprendemos alguma coisa com os movimentos de libertação, deve ter sido precisamente a dificuldade de reconhecimento de preconceitos latentes nas nossas atitudes relativamente a grupos específicos, até esses preconceitos nos serem apontados ostensivamente.

Um movimento de libertação exige o alargamento dos nossos horizontes. As práticas que anteriormente eram consideradas naturais e inevitáveis passam a ser vistas como resultado de um preconceito injustificável. Quem pode afirmar com alguma confiança que nenhuma das suas atitudes e práticas pode ser posta legitimamente em causa? Se desejamos evitar ser contados entre os opressores, devemos estar dispostos a repensar as nossas atitudes face aos outros grupos, incluindo as mais básicas. Devemos considerar as nossas atitudes do ponto de vista daqueles que sofrem devido a elas e devido às práticas que lhes estão associadas.

Se conseguirmos proceder a esta invulgar mudança de perspectiva mental, talvez consigamos descobrir um padrão nas nossas atitudes e práticas cujo objetivo é o favorecimento constante do mesmo grupo - geralmente o grupo ao qual nós mesmos pertencemos - à custa de outro grupo. Chegamos assim à conclusão de que há argumentos a favor do aparecimento de um novo movimento de libertação.

O objetivo deste livro é levar o leitor a proceder a esta mudança de perspectiva mental nas suas atitudes e práticas relativas a um grupo muito vasto de seres: os membros das espécies que não a nossa. Acredito que as nossas atitudes atuais para com estes seres se baseiam numa longa história de preconceitos e discriminação arbitrária. Defendo que não pode haver qualquer razão - com exceção do desejo egoísta de preservar os privilégios do grupo explorador - para a recusa de inclusão de membros de outras espécies no princípio básico da igualdade. Peço ao leitor que reconheça que as suas atitudes relativas a membros de outras espécies constituem uma forma de preconceito não menos condenável do que o preconceito aplicado ao gênero ou raça de uma pessoa.

Em comparação com outros movimentos de libertação, o movimento de Libertação Animal apresenta várias dificuldades. A primeira, e mais óbvia, é o fato de os membros do grupo explorado não poderem, por eles mesmos, protestar de forma organizada contra o tratamento que recebem (embora possam protestar, e o façam o melhor que podem, individualmente). Temos de ser nós a falar em nome daqueles que não podem fazer isso por si próprios. É possível constatar a gravidade dessa dificuldade se perguntarmos a nós próprios quanto tempo teriam de ter esperado os negros pela igualdade de direitos se não tivessem sido capazes de falar por si mesmos e de exigir tal igualdade. Quanto menos um grupo for capaz de se tornar visível e de se organizar contra a opressão, mais facilmente será oprimido.

Ainda mais significativo para o futuro do movimento de Libertação Animal é o fato de quase todos os elementos do grupo opressor estarem diretamente relacionados com a opressão, considerando-se beneficiários desta. Efetivamente, existem poucos humanos capazes de considerar a opressão dos animais com o afastamento que tiveram, por exemplo, os brancos do Norte ao debaterem a instituição da escravatura nos estados do Sul da União. As pessoas que comem diariamente pedaços de seres não-humanos abatidos consideram difícil crer que estão a agir incorretamente; e também consideram difícil imaginar que outra coisa poderiam comer. Nesta questão, todos os que comem carne são parte interessada. Beneficiam-se - ou, pelo menos, julgam se beneficiar - da desconsideração atual dos interesses dos animais não-humanos. Isto torna a persuasão mais difícil. Quantos proprietários de escravos do Sul se convenceram com os argumentos avançados pelos abolicionistas do Norte, atualmente aceitos por quase todos nós? Alguns, mas não muitos. Posso pedir, e peço mesmo, que ponham de lado o seu interesse no consumo de carne ao considerarem os argumentos contidos neste livro, mas sei, de experiência própria, que mesmo com a melhor vontade do mundo isto não é fácil de se conseguir: subjacentes ao desejo momentâneo de comer carne numa ocasião particular, estão muitos anos de consumo habitual de carne que condicionaram a nossa atitude para com os animais.

Hábito. Esta é a barreira final que o movimento de Libertação Animal enfrenta. Hábitos não só dietéticos, mas também de pensamento e linguagem, que têm de ser postos em causa e alterados. Os hábitos de pensamento levam-nos a rejeitar as descrições de crueldade para com os animais, considerando-as emotivas e destinadas apenas a "amantes dos animais"; ou, se não isso, fazem-nos crer que, de qualquer forma, o problema é tão trivial em comparação com os problemas enfrentados pelos seres humanos que nenhuma pessoa sensata gastaria com ele tempo e atenção. Também isto é um preconceito - pois como se pode saber que um problema é trivial até se ter despendido algum tempo a analisar a sua dimensão? Embora, por forma a permitir um tratamento mais completo, este livro trate de apenas duas das muitas áreas em que os humanos provocam sofrimento aos outros animais, não creio que qualquer pessoa que o leia até ao fim fique a pensar que os únicos problemas que merecem tempo e energia são os problemas que dizem respeito aos humanos.

Os hábitos de pensamento que nos levam a desconsiderar os interesses dos animais podem ser postos em causa, tal como se faz nas páginas seguintes. Este desafio tem de ser expresso numa língua que, neste caso, é o português. A língua portuguesa, como outras línguas, reflete os preconceitos dos seus utilizadores. Assim, para os autores que desejam pôr em causa estes preconceitos, aparece uma dificuldade bem conhecida: ou utilizam a sua língua, que reforça os próprios preconceitos que desejam questionar, ou não conseguem se comunicar com o público. Este livro constitui já, por força das circunstâncias, uma concessão à primeira destas vias. Utilizamos comumente o termo "animal" para designar os "animais que não os seres humanos" Esta utilização destaca os humanos dos outros animais, implicando que nós próprios não somos animais - uma implicação que qualquer pessoa que tenha recebido lições elementares de biologia reconhecerá como falsa.

Na mente popular, o termo "animal" reúne seres tão diferentes como ostras e
chimpanzés, colocando um fosso entre chimpanzés e humanos, embora a nossa relação com esses símios seja muito mais próxima do que a deles com as ostras. Uma vez que não existe uma outra designação breve para os animais não-humanos, tive de usar, no título e noutras instâncias do livro, a palavra "animal" como se ela não incluísse o animal humano. Esta é uma falha lamentável em termos de pureza revolucionária, mas parece ser necessária para conseguir uma comunicação eficaz. No entanto, e para recordar que isto é apenas uma questão de conveniência, utilizarei ocasionalmente modos mais extensos e precisos de me referir àquela que foi em tempos chamada "criação bruta".

Noutros casos, tentei também evitar a utilização de uma linguagem que tenda a degradar os animais ou a disfarçar a natureza da comida que ingerimos.

Os princípios básicos da Libertação Animal são muito simples. Tentei escrever um livro claro e fácil de entender, que não requeresse conhecimentos particulares de qualquer tipo. No entanto, é necessário começar com uma análise dos princípios que formam a base daquilo que tenho a dizer. Apesar de não haver nesta obra nada que seja de compreensão difícil, os leitores não familiarizados com este tipo de análise poderão considerar o primeiro capítulo muito abstrato. Não se assustem. Nos capítulos seguintes passamos aos pormenores pouco conhecidos acerca da forma como a nossa espécie oprime as outras que se encontram sob o seu domínio. Não há nada de abstrato nesta opressão nem nos capítulos que a descrevem.

Se as recomendações sugeridas nos capítulos seguintes fossem aceitas, pouparia-se uma dor imensa a milhões de animais. Mais ainda, milhões de humanos tirariam igualmente proveito dessa mudança. Enquanto escrevo, há pessoas que morrem de fome em muitos locais do mundo, e muitas mais encontram-se em perigo iminente de morte por subnutrição. O govemo dos Estados Unidos da América afirmou que, devido a colheitas escassas e a existências reduzidas de cereais, apenas podia fornecer um auxílio limitado - e inadequado; mas, como se torna claro no capítulo 4 deste livro, a acentuada ênfase na criação de gado por parte das nações ricas leva ao desperdício de várias vezes a comida produzida. Se cessarmos de criar e matar animais para consumo, poderemos disponibilizar tanta comida para os humanos que esta, distribuída de forma correta, erradicaria a fome e a subnutrição do nosso planeta. A Libertação Animal é também a Libertação Humana.